A ideia de que a depressão e os transtornos mentais são
condições causadas por desequilíbrio químico está tão presente em nossa
sociedade que questioná-la pode ser um sacrilégio.
As propagandas da indústria farmacêutica giram em torno da
afirmação de que os ISRS (a classe mais popular de antidepressivos) aliviam a
depressão, corrigindo uma deficiência de serotonina no cérebro.
Por exemplo, a propaganda de televisão da Pfizer sobre o
Zoloft afirma que a “depressão é uma doença grave que pode ser causada por um
desequilíbrio químico”, e que “Zoloft pode corrigir isso”.
Outras campanhas publicitárias fazem reivindicações
semelhantes. No site do Effexor há um vídeo explicando que “a pesquisa
científica sugere uma importante ligação entre depressão e desequilíbrio em
alguns dos mensageiros químicos do cérebro. Dois neurotransmissores que
estariam envolvidos na depressão são a serotonina e a noradrenalina.” O vídeo
continua dizendo que Effexor funciona aumentando os níveis de serotonina na
sinapse, que “acredita-se aliviar os sintomas de depressão ao longo do tempo.”
Nos dias de hoje, a serotonina é amplamente promovida como
um caminho para alcançar quase todos os traços de personalidade desejáveis,
incluindo a autoconfiança, criatividade, resiliência emocional, sucesso,
realização, sociabilidade e motivação. E o inverso também é verdadeiro. Baixos
níveis de serotonina têm sido implicados em quase todos os estados
comportamentais padrões que sejam indesejáveis, como depressão, agressividade,
suicídio, estresse, faltam de autoconfiança ou autocontrole, compulsão
alimentar, e outras formas de vício e obsessões.
Na verdade, a ideia de que os baixos níveis de serotonina
causam depressão se tornou tão difundida que não é incomum ouvir as pessoas
falarem da necessidade de “aumentar os seus níveis de serotonina” através de
exercícios, ervas ou mesmo pelo sexo. A teoria do “desequilíbrio químico” é tão
bem estabelecida que tornou-se parte do senso comum.
É, afinal, uma teoria pura, no seu sentido mais singular. É
preciso uma condição complexa e heterogênea (depressão) para ocasionar um suposto
desequilíbrio de dois ou três neurotransmissores (dos mais de 100 que já foram
identificados), podendo ser “corrigido” por tratamento medicamentoso. Essa
teoria clara e fácil de ser seguida é a força motriz por trás de12 bilhões de
dólares de lucro da venda de antidepressivos todos os anos.
No entanto, existe um (e grande) problema com essa teoria:
não há, absolutamente,nenhuma evidência científica para apoiá-la. Pesquisas
recentes demonstraram que não existe nenhuma ligação entre a depressão, ou
qualquer outro transtorno mental, e um desequilíbrio de substâncias químicas no
cérebro (Lacasse & Leo, 2005; Valenstein, 1998).
A ineficácia dos antidepressivos, em comparação ao placebo,
lança mais dúvidas ainda sobre a teoria de “desequilíbrio químico”.
Bom… Vai demorar um pouco para eu te explicar toda essa
história. Mas eu preciso te desiludir. Você está pronto?
A história da teoria do “desequilíbrio químico”
O primeiro antidepressivo lançado, iproniazida, foi
descoberto por acaso, em 1952, depois de ter sido observado que alguns
pacientes tuberculosos ficaram eufóricos depois de tomarem o fármaco. Um
bacteriólogo chamado Albert Zeller descobriu que a iproniazida foi eficaz na
inibição da enzima monoamina oxidase. Como o próprio nome indica, essa enzima
desempenha papel essencial na inativação de monoaminas, como a adrenalina e
noradrenalina Assim, seus níveis elevados levam à uma estimulação do sistema
nervoso simpático – um efeito que seria responsável pela ação antidepressiva do
medicamento.
Por volta da mesma época, um extrato da planta Rauwolfia
serpentina foi introduzido na psiquiatria ocidental. Esse extrato tinha sido
utilizado medicinalmente na Índia há mais de mil anos, como calmante para
tratar insônia, pressão alta, loucura e muito mais. Em 1953, os químicos da
Ciba, empresa farmacêutica, isolaram o composto ativo dessa erva, dando o nome
de reserpina.
Em 1955, pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde dos
Estados Unidos (NIH) informaram que a reserpina reduz os níveis de serotonina
no cérebro de animais. Mais tarde, foi demonstrado que todas as três principais
aminas biogênicas no cérebro, noradrenalina, serotonina e dopamina, diminuíram
por conta da ação da reserpina (de novo, nos animais).
Estudos em outras espécies conduzidos na mesma época verificaram
que os animais administrados com reserpina demonstraram um aumento de atividade
e excitação motora em um curto período de tempo, seguido de um prolongado
período de inatividade. Os animais muitas vezes tinham uma postura arqueada e ficava
completamente imóvel, algo como a catatonia (Valenstein, 1998). Desde então,
concluiu-se que a depressão era resultado de baixos níveis de aminas
biogênicas. Eis o nascimento da teoria do “desequilíbrio químico”.
Porém, mais tarde verificou-se que a reserpina apenas
raramente produzia uma verdadeira depressão química. Apesar das doses elevadas
e de muitos meses de tratamento com a reserpina, apenas 6% dos pacientes
desenvolveram sintomas sugestivos de depressão. Além disso, um exame feito em
tais pacientes revelou que todos tinham uma história prévia de depressão
(Mendels & Frazer, 1974). Ainda havia relatos de alguns estudos que a
reserpina poderia ter um efeito antidepressivo (apesar de reduzir os níveis de
serotonina, noradrenalina e dopamina).
Como se vê, essa é apenas a ponta do iceberg.
As falhas fatais da teoria do “desequilíbrio químico”
Elliot Valenstein, PhD, professor emérito de psicologia e
neurociência da Universidade de Michigan, aponta no livro “Culpando o Cérebro”
(tradução livre) que “ao contrário do que se costuma afirmar, nenhum sinal
químico, anatômico ou funcional foi encontrado de forma a distinguir
confiavelmente os cérebros dos doentes mentais.” (p. 125)
Em seu livro, Valenstein desmonta essa teoria com 8
constatações:
A redução dos níveis de noradrenalina, serotonina e dopamina
não produz realmente a depressão em humanos, embora parecesse fazê-la nos
animais.
A teoria não pode explicar por qual motivo existem
medicamentos que aliviam a depressão, apesar do fato de que eles têm pouco ou
nenhum efeito em qualquer nível de serotonina ou noradrenalina.
Drogas que aumentam os níveis de serotonina e noradrenalina,
tais como as anfetaminas e cocaína, não aliviam a depressão.
Ninguém explicou por qual motivo é preciso de um período
relativamente longo de tempo antes que as drogas antidepressivas produzam
qualquer elevação de humor. Antidepressivos produzem sua elevação máxima de
serotonina e noradrenalina em apenas um dia ou dois, mas muitas vezes levam
várias semanas antes de qualquer melhoria do paciente.
Embora alguns pacientes tenham níveis baixos de serotonina e
noradrenalina, a maioria não possui tal característica. Estimativas variam, mas
uma média razoável de diversos estudos indica que apenas 25% dos pacientes
deprimidos, na verdade, têm baixos níveis de tais substâncias.
Alguns pacientes deprimidos apresentam, de fato, níveis
anormalmente elevados de serotonina e noradrenalina, e outros, com nenhum
histórico de depressão, têm baixos níveis destas aminas.
Embora tenha havido alegações de que a depressão possa ser
causada por elevados níveis de monoamina oxidase (a enzima que quebra a
serotonina e noradrenalina), isso apenas é verdadeiro em uma parcela de
pacientes deprimidos.
Antidepressivos possuem uma série de efeitos diferentes que
não se caracterizam no aumento da atividade de noradrenalina e serotonina.
Outro problema é que não é possível medir a serotonina e
noradrenalina no cérebro de pacientes. Estimativas de neurotransmissores
cerebrais só podem ser inferidas através de medição dos produtos de degradação
de aminas biogênicas (metabolitos) na urina e no fluido cerebrospinal. A
hipótese subjacente dessa medida é de que o nível de metabolitos de aminas
biogênicas na urina e no fluido cerebrospinal reflete exatamente a quantidade
de neurotransmissores no cérebro. Contudo, menos da metade dos
neurotransmissores encontrados na urina ou no fluido cerebrospinal possuem
origem cerebral. A outra metade vem de vários outros órgãos do corpo. Assim,
existem sérios problemas com o que realmente está sendo medido.
Finalmente, não há um único artigo com revisão por pares que
possa ser citado para apoiar as reivindicações de deficiência de serotonina em
qualquer transtorno mental, embora existam muitos artigos que apresentam
contraprova. Além disso, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM) não lista a serotonina como a causa de qualquer doença mental. A
American Psychiatric Press Texbook of
Clinical Psychiatry aborda a deficiência de serotonina como uma hipótese não
confirmada, afirmando que “a experiência adicional não confirmou a hipótese de
esgotamento da monoamina” (Lacasse e Leo, 2005).
Com todas essas evidências reunidas, está claro que a
depressão não é causada por um desequilíbrio químico.
Mas, como Valenstein observa, “há poucas recompensas” em se
assumir este fato.
Como estamos sendo enganados?
Há várias razões para a ideia de que os transtornos mentais
são causados por um desequilíbrio químico se tornar tão difundidos (e nenhuma
delas possui qualquer relação com a evidência científica atual, como já vimos).
Sabe-se que as pessoas que sofrem de transtornos mentais e,
especialmente, suas famílias preferem um diagnóstico de “doença física”, pois
ela pode sugerir um prognóstico supostamente mais otimista, isentado-os da
culpa comumente associada com “problemas psicológicos”.
Os pacientes são altamente suscetíveis às propagandas
publicitárias. Tem sido relatado que pacientes apresentam automaticamente para
seus médicos a ideia de “desequilíbrio químico” (Kramer, 2002). Isso é
relevante, pois estudos demonstram que pacientes que estão convencidos de que
estão sofrendo de um defeito cerebral são suscetíveis à solicitação de
prescrições de antidepressivos, comportando-se como céticos diante de outras
intervenções como a terapia cognitivo-comportamental (DeRubeis et al., 2005).
Também foi demonstrado que pacientem ansiosos e deprimidos “são provavelmente
mais suscetíveis à influência da publicidade” (Hollon, 2004).
O benefício da teoria para companhias de seguros e da
indústria farmacêutica é essencialmente econômico. Planos de saúde estão
principalmente preocupadas com os gastos, e eles querem desencorajar outros
tratamentos (como a psicoterapia) que podem envolver muitas horas de contato e
uma despesa considerável.
A motivação das farmacêuticas é bastante óbvia. Como
mencionado anteriormente, o mercado de medicamentos antidepressivos é de 12
bilhões de dólares. Talvez seja desnecessário dizer, mas é um fato que as
empresas farmacêuticas vão fazer de tudo legalmente (e até ilegalmente) para
maximizar seus lucros.
Estudos têm demonstrado que os anúncios colocados por
farmacêuticas em revistas profissionais distribuídas diretamente para os
médicos são muitas vezes exageros e enganosos, não refletindo a evidência
científica (Lacasse & Leo, 2005). Enquanto os médicos negam que estão sendo
influenciados, foi mostrado que suas prescrições preferidas são fortemente
afetadas por material promocional das indústrias farmacêuticas (Moynihan,
2003). Alguns estudos ainda demonstram uma associação entre a dose e a
propaganda: em outras palavras, quanto maior o contato entre médicos e
representantes de vendas, mais o primeiro grupo apoia-se em mensagem
“comerciais”, em oposição à visão “científica” do valor terapêutico de um
medicamento (Wazana, 2000).
A motivação dos psiquiatras para aceitar a teoria de
desequilíbrio químico é um pouco mais sutil. Começando por volta de 1930, os
psiquiatras se tornaram cada vez mais conscientes da concorrência de terapeutas
não médicos, como psicólogos, assistentes sociais e conselheiros. Devido a
isso, psiquiatras têm sido atraídos por tratamentos físicos, como drogas e
terapias de eletrochoque que os diferenciam dos profissionais não médicos.
Todavia, a psiquiatria, hoje, é a especialidade médica menos respeitada (US
General Accounting Office report).
Dr. Colin Rosse, psiquiatra, descreve desta forma:
“Eu vi de perto o quanto os psiquiatras biológicos querem
ser considerados como médicos pelo restante da profissão médica. No desejo de serem
aceitos como cientistas reais, esses psiquiatras estavam construindo um
edifício exageradamente dogmático… construindo certezas muito mais além do que
os dados científicos podem suportar.”
É claro que há também muitos “benefícios” para um psiquiatra
pegar o barco na teoria convencional de “desequilíbrio químico”, como jantares
grátis, viagens ao Caribe… e muito mais. Tudo com os 20 bilhões gastos por
empresas farmacêuticas em publicidade. Mas psiquiatras são humanos, como nós, e
muitos deles não conseguimos resistir a todos esses benefícios.
Em suma, a ideia de que a depressão é causada por um
desequilíbrio químico é um mito. Anúncios farmacêuticos tratam a depressão como
uma doença física porque isso é uma forma útil e fácil de promover o tratamento
medicamentoso. É claro que podem haver fatores biológicos na depressão,
entretanto, a teoria de que os transtornos mentais são meras doenças físicas
ignora a importância dos fatores psicossociais, como se esses fossem de pouco
importância.
Chris Kresser é adepto da Medicina Integrativa.
Fontes:
https://pensaralem.wordpress.com/2014/08/19/derrubando-o-mito-a-depressao-e-causada-por-um-desequilibrio-quimico/
http://organichealth.co/the-most-popular-antidepressants-are-based-on-an-outdated-theory/